contingência

“você pega o mesmo ônibus todos os dias, vê a mesma paisagem pela janela, desce no ponto, repete toda vez. um dia o ônibus para e sobe o amor da sua vida. isso se chama contingência.”

contingência

“você pega o mesmo ônibus todos os dias, vê a mesma paisagem pela janela, desce no ponto, repete toda vez. um dia o ônibus para e sobe o amor da sua vida. isso se chama contingência.”

Pra entrar no clima da história de hoje, a nossa dica é começar a leitura escutando essa música aqui. 🫀

A morte do ego
FIRST THINGS FIRST

(Imagem: Pinterest)

A experiência amorosa exige sacrifícios.
Não se ama pra ser recompensado.
O amor é a própria recompensa.
O amor é a morte do ego.

- Adélia Prado

Os versos acima são de autoria da Adélia Prado, que é considerada a maior poetisa viva do Brasil — e, recentemente, foi a vencedora dos prêmios Camões e Machado de Assis.

  • Ao dizer que a experiência amorosa exige sacrifício, a autora segue a ideia de que não há amor fácil.

Porque ainda que o amor seja “remédio contra a loucura”, coisa que Guimarães Rosa já ensinou, ele é também uma experiência exigente. Que demanda entrega, compromisso e dedicação.

E esses sacrifícios não são apenas grandes gestos, mas também pequenas renúncias cotidianas, como a paciência, a compreensão e até a capacidade de ceder ou perdoar.

Não se trata de anulação ou subserviência, mas da morte do ego. Ninguém faz cara feia quando se sacrifica por amor, porque desse “sacrifício” nasce a mais perfeita alegria.

Nesse mesmo sentido, no texto “Ostra feliz não faz pérola”, Rubem Alvez diz que a ostra, para fazer uma pérola, precisa ter dentro de si um grão de areia que a faça sofrer.

  • Mas antes que você pense que isso significa insistir no sofrimento, é bom lembrar que o autor especificou que “não é preciso que seja uma dor doída”.

Para amar de maneira genuína, é preciso transcender a visão limitada e egoísta de si mesmo, colocando-se no lugar do outro, reconhecendo-o como sujeito com suas próprias necessidades, desejos e fragilidades.

O amor, portanto, não é algo que serve ao ego, mas algo que nos permite superar a nossa individualidade estreita para nos conectar ao outro de maneira ampla e profunda.

Finalizando com as palavras de Antoine de Saint-Exupéry, “o amor verdadeiro começa lá onde não se espera mais nada em troca.”

Ostra feliz faz pérola?
ENQUETE DO THE STORIES

(Imagem: VSCO)

Pensando no #MomentoCult de hoje e no texto do Rubem Alves, queremos saber a opinião de vocês.

O amor exige sacrifício?

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Contingência
BASEADO EM UMA HISTÓRIA REAL

(Imagem: Pinterest)

“D” e “C” se conheceram no trabalho. “Vocês estão aí, né?” — ela disse apenas isso, deu uma olhada completamente desinteressada e foi embora em menos de cinco segundos.

Ele ficou sentado no banco olhando ela se afastar, ao lado da colega tagarela que lhe apresentava o hospital onde ele havia acabado de se matricular como residente.

  • No domingo passado, a D disse que o problema era a aliança no dedo e a gola polo — “ele parecia um padrezinho metido, um chato”.

Foi a primeira vez que ele ouviu a voz dela. Voz que acabou esquecendo com os meses de desuso (eles não se falavam), mas que passou a tentar adivinhar quando pensava nela.

A D era uma baixinha debochada, maravilhosamente elegante, com jeito de gato preto altivo que não deixa chegar muito perto, e dos olhos de como quando o céu escuro não decide se quer chover ou se deixa a luz passar.

Parecia que gostava de arte, parecia arte, chiaroscuro, menina do peso e do difícil, das realidades complexas da vida, do ser-tão. E linda, de morrer.

Mas tudo isso era adivinhação do C, porque eles não se falavam. A D era brincadeira de adivinhação. Gostava de ler, só lia. Tinha a vida dela, a gente dela. O C também tinha a sua vida.

A história dos dois nasce da contradição do ir e vir, dos encontros e desencontros, do que se deixa pra trás e do que se toma a coragem de descobrir em frente, e do que se aposta ser possível fazer com tudo isso.

Você pega o mesmo ônibus todos os dias, vê a mesma paisagem pela janela, desce no ponto, repete toda vez. Um dia o ônibus para e sobe o amor da sua vida. Isso se chama contingência.

Certo dia, o C não aguentou o silêncio e falou com ela. Difícil alguém acreditar que uma coisa tão boba tenha dado frio na barriga, mas deu.

  • “Essas fitinhas coloridas de marcar livro que você usa são bonitas, né? Onde compra?”

Dois dias depois ela mandou o link, e eles nunca mais pararam de se falar. A D virou mais amiga dos amigos do C do que dele, mas estava ali.

Ele descobriu que ela ela dava bom dia, e tomava café na banca do Luís. Ela deu um apelido pra ele, tirou duas letras do seu nome porque disse que enjoou. Não se encontravam tanto, mas iam tomar café com os colegas.

Em uma dessas vezes, ela começou a perguntar ao C seus comos e por ques. Quem ele era, se tinha família, por que ouvia música esquisita, o que ele pensava da própria vida.

O C descobriu muitas respostas no próprio ato de contá-las pra ela. Descobriu que não sabia muito, mas que poderia falar de um jeito novo de coisas que pareciam ter um sentido velho e imutável.

  • Percebeu que gostava daquilo, daquilo com ela. Brincou depois que gostava de jogar charme; não entendeu o ciúme que lhe espetou.

O C copiou da D o all star, a cor dos óculos, a playlist preferida de MPB e a ideia de jogar charme. Jogava todo nela, flertava, flertavam.

Depois da D “subir no ônibus da contingência”, eles descobriram que a viagem seria mais longa: foram alocados para o mesmo estágio em um outro hospital, condenados à delícia de ter que se ver todos os dias.

Ele descobriu que ela gostava de cheiros, de cuidar de plantas, de Maria Bethânia e Racionais, de chuva e da avenida Afonso Pena. Via um outro mundo, pensava de outro jeito.

Ele pedia carona e a via retocando a maquiagem de longe, antes dele entrar no carro. Abria a porta e sentia o perfume de jardim de flores com limão — “tem que ter um azedinho, doce demais enjoa”.

  • Ela enjoou de flertar. “Terminou” com o C pela primeira vez. Eles não podiam, ela não estava pronta.

Mas o C tinha muito a dizer pra ela, e nunca foi capaz de recuar diante do que ela lhe causou, disso. Esse isso sem nome, um movimento, uma mudança, um frio na barriga. Tomaram mais café, ele levava flores, músicas, picolé.

O C não sabe quando se apaixonou, só sabe quando soube que se apaixonou: devia ser uma quarta-feira, “vamos trabalhar rápido e acabar cedo pra poder tomar um brunch com croissant”.

Não se almoça croissant. Não? Não, definitivamente. Mas eles almoçaram café com croissant e o C tirou uma foto da D. Seu pequeno tesouro capturado pelo seu olhar, olhando pra ele.

Ela perguntou mais dele, e ele não conseguia não querer saber mais dela. Ela lhe contava do Universo, e o deixava espiar pelas frestas que davam pro mundo dela, que ela é.

  • Foi ali que ele descobriu que essa conversa deles era uma só, e que ele queria continuar. Queria conversar com ela. Queria com ela.

Mas irrompe um intercâmbio, uma viagem transatlântica que, certamente, levaria ao desencontro. A D deixou o C com o livro do Fernando Sabino, O Encontro Marcado — “pode grifar”.

Ele lia como se tivesse lendo ela. Passar por um texto onde ela passou, com as marcas de caneta onduladas, deixando suas linhas retas perto das dela — que às vezes se recobriam, às vezes se tocavam, às vezes nem se viam.

No final das contas, eles se “desesqueceram”. Se aproximaram, de muito longe, mas muito perto. O intercâmbio passou no mais longo piscar de olhos que o C já viu.

Quando ela voltou, ele devolveu o livro com uma carta dentro. Ela “terminou” com ele de novo. E mais umas três ou quatro vezes. O primeiro eu te amo veio com um adeus.

  • A D gostava de mandar e-mails, fragmentos de sensibilidade — o C guarda todos — despedidas, declarações, cupons de desconto.

Ele imagina que o leitor dessa edição talvez esteja buscando uma explicação pra essas rupturas. Acontece que a D tinha os seus motivos, e amar não requer explicação.

Inclusive, ela o ajudou a ver que não é preciso entender tudo, que viver não é navegar, e que é possível andar e abrir caminho sem certeza do que há além.

Eles se beijaram pela primeira vez numa segunda-feira de manhã — o lugar dos croissants estava fechado, e eles tiveram que escolher outro café pra discutir a “não-relação”.

Depois disso, a não-relação se tornou uma sim-relação, mas um não-namoro. A D insistia nos “nãos”, recusando qualquer nomeação.

Essa recusa deixava o C inseguro, mas talvez a insegurança viesse do que ela lhe causava — sentimento que acontece sem razão, sem aviso, sem explicação. Que não dá garantias, que não se pega com as mãos.

  • Que, com ela, se torna possível. Vastidão de mulher que o faz querer ser mais um pouco como ela, e mais um pouco como ele mesmo.

O antes e depois do beijo foi o que? Que é que pode haver num intervalo como esse? Existe um instante em que se acolhe algo que lampeja fulgurante por uma fração de segundo, algo em que se escolhe apostar.

Pra onde eles vão? Responder seria retirar a aposta. Mas o C quer definir apenas um como — com amor, parceria e coragem. “Isso nosso não tem nome nem nunca terá”.

Se aos 100 anos de idade eles terão encontrado nos livros ou nas palavras-cruzadas que fazem aos domingos a definição que falta, resta seguir em frente pra saber.

Mas, entre os dois, o C pensa que namoro até que não vai mal por enquanto. Só falta a D dizer que aceita — enquanto toma um café e come um croissant.

Love and Friendship 🖤

EDITOR’S PICK

(Imagem: Stolen Kisses)

Domingo com calma. Aproveite a preguiça, prepare um café da manhã gostoso e se delicie com as nossas dicas! 🤌

  1. Ainda no clima da história… enquanto pegava carona com a D, o C mandava indireta colocando essa música pra tocar. 💋

  2. E pra garantir a trilha sonora de domingo, nada melhor do que a playlist do the stories. 🧸

  3. Sua ansiedade está mentindo pra você. Pra quem também sofre com o mal do século XXI, esse podcast é um belo aprendizado. 🎧

  4. Dica de ouro. Refletindo sobre relações maduras, esse vídeo mudou a forma da estagiária de enxergar o amor. 🫀

  5. Ser o que se pode é a felicidade. Pra ficar mais otimista em relação ao mundo, a nossa dica é ler esse livro aqui. 📚

  6. “Me abrace até eu cheirar como você.” ❤️‍🔥

O milagre aconteceu

CARTA ABERTA

(Imagem: Past Lives)

Ceci,

Aconteceu um milagre, sim. Minha irmã mencionou o e-mail, e cá estou. Confesso que não esperava ler algo assim, mas parece que era o que eu precisava.

Eu nunca imaginei que, depois de tanto tempo, nossa história ainda mexesse assim. E mesmo "Afonso" não sendo o meu nome de verdade, faz sentido, já que a história acaba sendo só nossa.

Engraçado como, ao ir atrás dos nossos sonhos, às vezes, deixamos pra trás partes importantes sem perceber. E você sempre foi uma dessas partes — mesmo que, na época, você não acreditasse.

Sei que o caminho não foi fácil. Com o tempo, a saudade encontra formas de se fazer presente, por mais que a gente tente seguir em frente. Mas fico feliz em saber que você está bem, que encontrou seu rumo.

Ah, parabéns pela OAB, sempre admirei sua inteligência e sua habilidade de ser brilhante em tudo o que você se propõe a fazer. Te ouvir falar do que ama sempre me deixava fascinado, e eu fico feliz por já ter te dito isso.

O que você mencionou sobre o amor não ser suficiente também me pegou de jeito. Acho que sempre senti isso, mas nunca consegui colocar em palavras. É verdade, algumas coisas simplesmente não eram pra ser. E tudo bem.

Como você disse, a vida continua. Você sempre será uma boa lembrança, parte de tanta coisa que aprendi e aplico na vida até hoje. Sei que ficará surpresa com essas palavras públicas. Rs.

Obrigado pelas palavras, mesmo com as entortadas na cara. Não posso te julgar e entendo por não falar diretamente coisas que eu nunca imaginaria vindas de ti, a mais orgulhosa.

Com carinho,
Afonso (ou quase)

Você lembra dessa edição? Por um milagre, o e-mail chegou até o destinatário — e ele resolveu responder. 🥹

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A próxima pode ser a sua 💌
FINAL NOTES

Gostou da história que leu? A próxima pode ser a sua. Conte pra gente aquela história de amor que só você sabe e tem dentro de si. Afinal, todo mundo tem a sua.

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Queremos compartilhar, pelo menos um pouquinho, desse sentimento que você tem aí dentro. Você nunca sabe o que ele pode provocar nas pessoas…

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