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o olhar não mente
antes de julgar alguém, experimente escutar seu lado da história — o lobo sempre será mau se você ouvir apenas a versão da chapeuzinho vermelho.
Traiu ou não traiu?
FIRST THINGS FIRST
Machado de Assis (1839-1908) é indiscutivelmente um dos escritores mais importantes da literatura brasileira. Precursor do realismo — movimento artístico marcado pelo olhar crítico para a sociedade —, Machado tinha um incrível talento para analisar o comportamento humano.
Um de seus livros mais famosos — e queridinho por todas as professoras de ensino médio do Brasil — chama-se "Dom Casmurro". A obra é narrada por Bentinho, que acredita ter sido traído por sua esposa Capitu e seu melhor amigo Escobar.
Diversos estudiosos já tentaram criar teorias sobre a ocorrência ou não da traição, mas nenhum deles consegue chegar em uma conclusão plausível por um simples motivo: só temos a versão de Bentinho.
Os personagens e acontecimentos são conhecidos através de uma perspectiva contaminada pelo ciúme do narrador, que enxerga o caráter traíra de Capitu nos seus "olhos de cigana oblíqua e dissimulada" — como mostrado na imagem acima.
Por não ter provas concretas da traição, Bentinho usa esse olhar para construir toda a sua teoria, mas como bem dizia Shakespeare, detalhes insignificantes apresentam-se aos enciumados sob a forma de confirmações sagradas.
Enfim... Se você ainda não leu o livro — ou só pegou o resumo pra passar na prova — vá fundo e tire suas próprias conclusões. Mas não se esqueça: para fazer um julgamento justo, nosso amigo Machado deveria ter nos contado a versão da Capitu.
BASEADO EM UMA HISTÓRIA REAL
A presença da ausência
O dia de Eduardo amanheceu triste. Na noite anterior, recebeu a notícia do falecimento de seu bom e velho amigo Alberto. O céu daquele dia combinava com a vida sem aquela amizade: vazio e sem cor.
Enquanto esperava o táxi que o levaria para o velório, Eduardo foi dar comida para Bruce — seu simpático bulldog — mas nem nos olhos do cachorrinho encontrou consolo. Seria um dia difícil.
Quando entrou no carro e falou o destino, o motorista disse que sentia muito e perguntou quem havia falecido. Eduardo constatou que Alberto merecia uma descrição mais precisa do que “um amigo”, então logo começou a contar...
Há 45 anos... Eduardo morava em uma casa de dois cômodos na roça. Filho mais velho de uma família muito humilde, aos 15 anos, mudou-se para a cidade com o sonho de trabalhar, estudar e ajudar seus irmãos.
Conseguiu emprego em uma loja de calçados — a única da cidade — e passou a atender Alberto, sua esposa e seus dois filhos ainda pequenos.
Entre caixas de sapatos e comentários sobre o jogo do Flamengo, nasceu uma simpatia mútua, e Alberto sempre fez questão de ser atendido por aquele jovem tímido de olhar sonhador.
Em uma sexta-feira qualquer, a família chegou na sapataria e não encontrou Eduardo. O dono da loja disse que não sabia onde ele estava e contou que o garoto morava sozinho. Preocupado, Alberto pediu seu endereço e foi às pressas verificar se estava tudo bem.
Chegando lá… Encontrou Eduardo em um cômodo de chão batido, sozinho e ardendo em febre. Levou o jovem para o médico e, quando ele teve alta, não voltou para a solidão de seu cômodo: Alberto o convidou para morar com ele.
Enquanto se recuperava, os dois conversavam sobre política, futebol e faziam planos para o futuro de Eduardo. Quando já estava forte e pronto para voltar para casa, Alberto disse: você só sai daqui depois de completar seus estudos.
E assim foi. Eduardo continuou trabalhando na loja durante o dia e estudando à noite, sempre observando e aprendendo com o jeito de seu amigo: bom pai e marido, de hábitos simples e econômico nas palavras, mas com o olhar mais expressivo e generoso que ele já se deparou na vida.
Alguns anos depois... Eduardo formou-se em Direito. Passou no concurso de juiz logo que saiu da faculdade e voltou ao interior para ajudar seus irmãos que haviam ficado para trás — hoje, o mais velho é médico e a caçula é professora de matemática.
Eduardo e Alberto nunca perderam contato. Continuaram se encontrando, assistindo aos jogos do Flamengo e amenizando as tristezas com muito vinho e boas conversas.
Alberto não se acanhava em continuar puxando a orelha de Eduardo e este continuava se espelhando e aprendendo com o amigo que o acolhera como filho.
Voltando do velório... Eduardo chegou em casa e deparou-se com Bruce, abanando o rabo e pedindo comida. Olhou para o bulldog e dessa vez encontrou consolo: o olhar do cachorrinho lembrava a pureza dos olhos de seu amigo.
Alberto foi embora, mas Eduardo sabia que a sua ausência estaria sempre presente em sua vida — bastava reparar.
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