o que te salva?

domingo: 28 de setembro: "a poesia, a música, uma pintura não salvam o mundo. mas salvam o minuto. isso é suficiente. "

o que te salva?

“a poesia, a música, uma pintura não salvam o mundo. mas salvam o minuto. isso é suficiente.”

Para entrar no clima da história, a dica é ler a edição dando play nessa música deliciosa aqui. ❤️‍🔥

FIRST THINGS FIRST

Dançar sobre os escombros

(Imagem: Pinterest)

A gente é construção
e não adianta fingir.
A gente está aqui neste lugar lindo,
com pessoas lindas, incríveis,
mas o mundo está todo arrebentado.
Aqui, na Europa, na Síria,
nos nossos quartos,
está tudo difícil (...)
A poesia, a música, uma pintura
não salvam o mundo.
Mas salvam o minuto.
Isso é suficiente.
A gente está aqui
para dançar um pouquinho
sobre os escombros.
Não deixar que a poeira
dê alergia nos olhos.
Cada um faz como pode.
O cirurgião vai tentar salvar
todas as vidas que puder.
A gente vai tentando salvar os segundinhos
- da minha vida, da vida
de todos meus amigos
e de alguém que lê uma estrofe.
E já é bom.

- Matilde Campilho

O poema de Matilde Campilho parte de uma constatação dura: o mundo está devastado em escala global e íntima, da Síria aos quartos fechados onde cada um trava suas batalhas invisíveis.

E a poeta não romantiza a arte, sendo realista ao dizer que a poesia não vai salvar a humanidade. O que a arte faz é outra coisa: ela salva o instante.

  • Um minuto de respiro;

  • Um sopro de beleza;

  • Uma fresta por onde a vida volta a entrar.

É pouco? Talvez. Mas é esse pouco que alivia.

Quando ela diz que a arte salva o minuto, está afirmando que a experiência estética suspende o peso insuportável do tempo, permitindo que a vida seja respirada em pequenas doses de beleza, mesmo em meio ao colapso.

O papel da arte, então, não é corrigir o desastre, mas impedir que ele se torne absoluto. Ela nos dá trégua, nos devolve sensibilidade e impede que a poeira cubra os olhos de vez.

É nesse sentido que a poesia se aproxima de um gesto de cuidado. Do mesmo jeito que o médico tenta salvar cada corpo que lhe chega, o poeta tenta salvar cada instante que poderia passar despercebido.

  • Um verso, uma canção, uma melodia… tudo funciona como lembrete de que ainda estamos aqui, vivos, partilhando da mesma fragilidade.

Dançar sobre os escombros, como escreve Campilho, é mais que uma metáfora: é estratégia de sobrevivência. Não se trata de ignorar o colapso, mas de recusar-se a viver apenas nele. É insistir em encontrar beleza mesmo quando tudo ao redor grita destruição.

Finalizando com as palavras de Karl Kraus: “O amor e a arte não abraçam o que é belo, mas o que justamente com esse abraço se torna belo.”

BASEADO EM UMA HISTÓRIA REAL

Será que é saudade?

(Imagem: VSCO)

“Alguns amores nunca serão nossos.” João leu essa frase clichê em algum post do Instagram. Por algum motivo, a frase ficou ressoando.

Trouxe de volta lembranças que ele pensava já ter guardado: rostos, conversas interrompidas e finais que não couberam em despedidas.

  • Na verdade, a lembrança foi bem específica e tinha nome e sobrenome: Maria Helena. O sobrenome, é melhor não falar.

João escreve isso às 20:10, enquanto termina de comer o macarrão que sobrou do almoço, bebe o último gole de vinho da garrafa que restou da noite passada e escuta 'Your Love is King', de Sade.

Para apresentar João aos leitores que não o conhecem: tem 43 anos, é divorciado e não tem filhos. Possui casa própria, carro e um bom salário. Um adulto funcional, risos.

Maria Helena foi um amor do passado. João a conheceu aos 24 anos, quando tinha acabado de se formar na faculdade. Ele não queria um relacionamento sério; ela tampouco. Deu match. 

Naquela fase da vida em que nenhuma preocupação pesa muito — e a sede de viver fala alto —, eles viveram coisas simples, mas que se tornaram imensas na lembrança.

Tardes no cinema escolhendo filmes que nenhum dos dois queria assistir, passeios pelos parques da cidade, conversas intermináveis em cafés e caminhadas sem destino pelas ruas.

Não houve promessas de eternidade, mas houve uma intensidade silenciosa, dessas que ficam guardadas sem que a gente perceba.

Maria Helena era diferente. Havia nela algo indefinível: não se podia atribuir-lhe uma raça nem uma classe, era como se a natureza tivesse criado uma poesia em forma de gente.

Citando Sándor Márai, ela “demonstrava interesse por tudo, homens e bichos, astros e livros, sem por isso se dar ares de superioridade, sem posar de intelectual, mas ao contrário se aproximando de tudo que a vida nos oferece com a exultante serenidade de quem se sente em casa no mundo.”

  • Havia uma grande humildade, como se ela a todo instante se desse conta de que a vida é um presente extraordinário.

Toda vez que a encontrava, João aprendia algo novo. Quase sem perceber, ela citava um livro, falava sobre filosofia ou contava alguma história que ouvira de sua avó.

Ela explicava tudo com carinho — e escutava com mais carinho ainda. Com ela, João se sentia ouvido, visto e valorizado. Ela enxergava o melhor nele. Despertava o melhor nele.

É curioso como essas memórias parecem muito mais nítidas e bonitas hoje. João acredita que o tempo tem dessas: apaga as coisas ruins e deixa as lembranças boas ainda melhores.

Na época, ele acreditava que ainda tinha muito para viver. Queria conhecer mais pessoas, viver e sentir mais. Não se satisfazia com nada. Não se sentia pronto para assumir compromissos.

  • O fim não veio com uma briga, mas com a vida pedindo direções diferentes. Cada um seguiu seu rumo e, aparentemente, tudo se resolveu.

Vez ou outra, uma frase, uma música, um cheiro traz Maria Helena de volta — como agora, entre um gole de vinho barato e a voz aveludada de Sade.

João sabe que isso tudo parece loucura. Sabe também que Maria Helena não é a mesma pessoa de 20 anos atrás — ele também não é. Os anos mudam os rostos, os sonhos e as urgências.

O tempo não perdoa, transforma tudo. Mas é justamente aí que mora o mistério: certas lembranças parecem imunes à passagem dos anos.

Essa história não é sobre um reencontro idealizado. João não quer desfazer o passado nem fantasiar futuros que já não cabem. O que sente é mais simples, quase humilde: gratidão.

Maria Helena foi um pedaço de vida tão vivo, tão inteiro, que mesmo o fim não conseguiu arrancar. O que eles viveram permanece como um território guardado — não visitado, mas protegido dentro dele.

  • Como a poesia, a música e a pintura, Maria Helena salvou alguns segundos da sua existência.

João termina de escrever em paz e agradece por ter guardado, na memória, a sensação de ser visto, ouvido e valorizado. E por compreender que nem todo amor precisa durar para ser eterno.

Hoje, não temos foto do casal, mas a estagiária imaginou o reencontro dos dois desse jeito aqui. 🥹

ENQUETE DO THE STORIES

(Imagem: Blue Moon)

Dá pra superar um grande amor?

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EDITOR’S PICK

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(Imagem: Anna Karina)

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CARTA ABERTA

Quando amar também é revolta

(Imagem: Martinez Brothers)

Todo domingo de manhã é sempre um momento de poesia. Leio religiosamente o the stories — às vezes só à tarde, confesso — e sempre me sinto melhor. Ali encontro uma palavra, um link, uma música ou um lembrete de que o amor pode ser bonito. De que o amor existe e é possível.

Agora, no meio da semana, pergunto-me por que nunca li nada agressivo. Mesmo quando é triste, nenhum protagonista parece guardar raiva dos amores inacabados.

Eu, quase nunca, também. Mas hoje penso em Lacan, na psicanálise, no termo amódio — e em como os analistas descrevem esses extremos. Só que hoje eu não quero teoria: quero revolta.

Por que é revoltante amar tanto alguém a ponto de doer? Alguém que eu escolhi, entre bilhões, para dizer “te amo” de todas as formas possíveis — e ainda assim não ser suficiente.

É revoltante amar a mim mesma tanto a ponto de precisar terminar um namoro com um grande amor da vida. Que ódio. Uma raiva do que não foi, do que poderia ter sido e do que ainda é e ficou.

Ele poderia ter sido o pai dos meus filhos — mas virou lembrança, como um filme bonito que acaba cedo demais. Talvez ainda pudesse ser, mas provavelmente nem a amizade permanecerá. Uma pena, pois ele é repleto de qualidades e belezas.

Que droga, Eros.

Desde que terminei esse namoro, escrevo cartas e e-mails de amor, como quem precisa poetizar um sentimento que não morre, mesmo sete meses depois do fim. Batizei-o de Eros. Assino como Afrodite. Como se endeusar o que tivemos fosse a única forma de suportar a ideia de que talvez tenha sido apenas um delírio meu — ainda assim, a minha melhor ideia.

Queria dedicar ‘Futuros Amantes’, de Chico Buarque. Queria acreditar que amores serão sempre amáveis. Mas esse futuro é só fim. E como canta Caetano: “Mas o fim é demais também… odeio você.”

Se fosse para ele, esse texto teria cheiro de café recém-passado e a leveza dos domingos de manhã. Mas escrevo com raiva. Numa quarta-feira após o trabalho, cansada e chateada. E, paradoxalmente, com mais amor ainda. Que droga.

- A.

RODAPÉ

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